As contradições da Lava Jato e seus sucedâneos

Wladimir Pomar

Parece ter se tornado comum, entre muitos comentaristas da imprensa dominante, avaliar que as medidas jurídicas atualmente em discussão no STF se destinam a acabar com a Operação Lava Jato. Ou, em consequência, “enfraquecer a luta contra a corrupção”, em especial a suposta “corrupção dos governos petistas”.

Essa avaliação também parece ser dominante na casta judiciária, em setores consideráveis dos representantes políticos da própria burguesia dominante, e entre inúmeros setores das classes médias. Avaliação supostamente voltada para a crença de que, mantendo tal operação jurídica e policial, seria possível descobrir novas e maiores “maracutaias” praticadas pelo PT e por seus aliados políticos.

No entanto, convenhamos, no auge de suas operações e de seus atropelos à ordem jurídica, sem contestação alguma que impedisse as condenações sem provas consistentes, a Operação Lava Jato foi incapaz de condenar algo mais de que alguns poucos petistas, apesar dos esforços de Palocci para enredar uma lista considerável de dirigentes do PT.

Por outro lado, para supostamente demonstrar que o Power Point do procurador Dallagnol era verdadeiro, a operação comandada pelo próprio juiz julgador (um absurdo legal) foi obrigada a danificar e até mesmo destruir parte considerável do empresariado do setor de construção de infraestrutura, segmento importante da classe burguesa nacional, e de seus representantes políticos.

É verdade que defensores radicais da Operação Lava Jato ainda acreditam ser possível pescar dirigentes petistas em suas redes. No entanto, não são poucos os inimigos do PT que se deram conta de que, a continuar essa caça ao petismo, mantendo-se a necessidade de demonstrar isenção, a Lava Jato tende a prejudicar principalmente a burguesia nativa e estrangeira presente no Brasil, assim como seus representantes políticos, que continuam sugando dinheiro público para a execução de projetos próprios em suas áreas eleitorais.

Nessas condições, as contradições internas entre as diversas correntes políticas do 1% mais rico do país, assim como dos setores médios influenciados por essa burguesia, tendem a se transformar numa guerra sem quartel. Basta ler com mais atenção os argumentos e as entrelinhas que opõem os ministros Barroso e Gilmar Mendes em relação ao ordenamento jurídico para ter um panorama mais claro da situação.

Não por acaso, em artigo recente na Carta Capital (09/10/19), o ex-ministro Delfim Netto, reitera que “a segurança jurídica para o cidadão-investidor exige… a absoluta garantia de regras jurídicas claras e estáveis”. Ainda segundo ele, nos “casos de investimentos privados em infraestrutura, a ‘estabilidade das regras’ deve ser complementada por agências reguladoras… para garantir a integridade financeira dos contratos”, já que, sem “o investimento privado em infraestrutura… não há crescimento”. E “com o Estado quebrado” e “sem investimento” não haverá redução do “desemprego que tortura a sociedade brasileira”

Além da correção desses investimentos estar sendo empurrada “com  a barriga”, o ex-ministro declara seu espanto com “uma semana do arco-da-velha, pelo menos para quem assistiu… ao nascimento da Constituinte… composta, em ampla maioria, de cidadãos… que tinham um mesmo problema: haviam sofrido restrições à sua defesa e obrigados a se conformar com a lei imposta pela força”.

Ainda segundo ele, foi “contra isso que se redigiu a obra-prima da Constituição de 1988: os textos dos ‘Princípios Fundamentais’ e dos ‘Direitos e Garantias Individuais’… que garantem – cláusula pétrea… a mais irrestrita liberdade de defesa de todo cidadão em legítimos processos judiciários, reafirmada, agora, por significativa maioria pelo Supremo Tribunal Federal”

Diante disso, ainda segundo o ex-ministro, “causa preocupação o espanto de alguns setores da sociedade”, sendo “lamentável… assistir à reação pretenciosa e insensata de parte da mídia, para a qual o devido processo legal, que é o ‘garante’ da democracia, seria apenas uma ‘filigrana legalista ultrapassada’.”

E, continua o ex-ministro, “o respeito à execução do devido processo legal não cerceia a operação Lava Jato”, já que seus “efeitos colaterais, a destruição da expertise de engenharia das grandes empreiteiras e o desemprego setorial” seriam devidos à “inação do Executivo… que não soube punir os responsáveis e, ao mesmo tempo, resguardá-las”, por serem “um ativo nação, não de seus proprietários”.

É lógico que o ex-ministro esqueceu que, esse “Executivo… que não soube punir” os responsáveis pela ação corruptora empresarial, era um dos alvos principais da Operação Lava Jato e não teria condições de punir ninguém. Além disso, como ele também reconhece, o sucesso daquela operação levou seus “fautores” a “espetacularizar investigações e antecipar a pressão sobre juízes”, criando duas justiças. Uma que agiria “fora dos autos para “obter seus objetivos” e “outra, velha” que, segundo alardeiam aqueles fautores, “se submete a ‘filigranas jurídicas ultrapassadas’.

O ex-ministro, com razão, considera tal alarde “um escândalo!” No entanto, apesar desse “escândalo”, ele supõe que nada “do terror que se anuncia… vai acontecer” e que, “ao fim e ao cabo, o que produziu o sucesso investigativo na Lava Jato vai ser aprendido por todo o Judiciário, mas não alguns de seus métodos controvertidos”.

Ou seja, ele crê que está em curso o ajuste que vai limitar ou liquidar as operações que, mesmo sem provas, punem corruptores empresariais para justificar operações policiais e judiciais contra o PT e a esquerda. O que talvez deva alertar essa esquerda para se preparar melhor no sentido de enfrentar métodos menos jurídicos de perseguição política.  Afinal, a burguesia (mestre Delfim entende dela) pressiona para não sofrer mais os percalços que pune parte dela para demonstrar a “isenção” dos operadores policiais e jurídicos.

As apreciações midiáticas, e as declarações de próceres do governo Bolsonaro, incluindo o ex-juiz Moro, a respeito do ministro do Turismo e de outros dirigentes do PSL envolvidos com “candidaturas laranjas”, assim como do filho do primeiro mandatário, responsável por “rachadinhas salariais”, talvez seja o início da nova era desejada pela burguesia.

Isto é, preso Lula, destroçada parte da potência eleitoral petista, dividida a esquerda, Bolsonaro pode jogar fora seu papo de “nova política”, e todos podem voltar ao velho jogo de compra e venda entre empresários e representantes políticos para manter sempre crescente o rendimento do 1% mais rico do país.   

Nessas condições, pode estar sendo aberta a caça desses operadores por novos tipos de isenção ou para atropelos diretos aos direitos constitucionais pétreos de militantes de correntes políticas de esquerda, mas sem necessidade de punir empresários e/ou seus representantes políticos como forma de demonstrar isenção.

Em sentido oposto, isso também deve exigir do PT e das demais correntes de esquerda não só seu acerto de contas com os erros cometidos no enfrentamento de seus casos de corrupção, o mais emblemático dos quais se chama Palocci. Exige também uma estratégia consistente para combater esse mal, próprio das sociedades divididas em classes exploradoras e exploradas, de modo a recuperar o papel histórico de defesa da classe trabalhadora, dos demais setores sociais espoliados, da soberania nacional, da democracia e do socialismo.

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