Neoliberalismo e suas consequências

Wladimir Pomar

Segundo os neoliberais, o “mercado financeiro” e os demais setores empresariais brasileiros apostavam na agenda “liberal democrática” do Posto Ipiranga (de empresário para empresários). Tendo como pontos principais um “choque de produtividade”, a “abertura comercial”, a “redução da dívida pública” e a “captação” de mais de dois trilhões de reais com a reforma previdenciária e as privatizações, tal agenda estaria destinada a implementar uma “cartilha fundamentalista na educação e nos costumes” capaz de suprimir as estatísticas desfavoráveis deixadas pelo PT “como herança”.

A corrente econômica neoliberal, em geral, ao avaliar a atual situação do Brasil, admite que a economia brasileira está “negativada”, havendo parado de crescer mesmo em termos mínimos. Pior, afirma que as expectativas positivas com a eleição e posse de Bolsonaro e de seu ministro “Posto Ipiranga” estariam sofrendo forte reversão. Tudo, ainda segundo tal corrente de pensamento, em virtude do estilo presidencial “caótico”.

Saudosos, os neoliberais relembram a “maior abertura econômica” do país, promovida por Collor, assim como as diferenças profundas entre FHC, com suas “privatizações” e o “enxugamento” da máquina governamental, e o PT, com a “criação de estatais” e o “inchamento” da máquina pública. E reconhecem, meio desesperados, que a atual situação se caracteriza por brutais aumentos do “endividamento”, da “inadimplência”, do “desemprego”, e pela “diminuição da renda da maioria da população”.

Deixemos de lado a aventura rocambolesca de Collor e de seus assacadores. Mas relembremos o que aconteceu com a suposta agenda “liberal democrática” de FHC, que só foi reeleito em 1998 porque o FMI abriu seus cofres para salvar seu programa de privatizações e de enxugamentos. Ou seja, para evitar o que aconteceu agora com Macri, ao ser derrotado nas eleições primárias argentinas e obrigado a tomar medidas “populistas” (petistas?) para tentar recuperar-se para as eleições argentinas decisivas.

Lembremos que, apesar da reeleição em 1998, os anos seguintes do governo FHC também se caracterizaram por aumentos brutais no endividamento, na inadimplência, no desemprego e na diminuição da renda da maioria da população. A tal ponto que, em 2002, parte do “mercado” achou mais conveniente desistir da linha neoliberal clássica, que estava realmente em curso com FHC, e apostar nas promessas de Palocci sobre um governo Lula alinhado com uma “agenda liberal democrática”

Entre 2003 e 2012, os problemas econômicos do PT no governo não foram a “criação de estatais” nem o “inchamento da máquina governamental”. Mas, em certa medida, foram problemas parecidos com a concepção neoliberal, ao não enxergar nos investimentos na produção industrial e na construção do sistema logístico (estatais e privados), assim como na concorrência do mercado (entre empresas estatais, entre empresas estatais e privadas, e entre empresas privadas, evitando monopólios e oligopólios) as condições básicas para o desenvolvimento, a geração de empregos, o crescimento da renda do conjunto da população, e a redução do endividamento público e da inadimplência.

Apesar dessa privação de sentidos, os governos Lula aproveitaram-se da forte demanda da economia mundial por energia e outros produtos da pauta da exportação brasileira, fazendo com que a economia do país apresentasse uma razoável performance na criação de empregos, no crescimento da renda e na redução do endividamento e da inadimplência. E, com os programas de transferência de renda para o combate à miséria e à pobreza, retirasse do limbo econômico e social cerca de 15 milhões de brasileiros.  

A situação só tomou um rumo inverso quando, principalmente após 2012, para enfrentar as ondas tardias da crise mundial capitalista, o governo petista se perdeu na contenção desse crescente tsunami e adotou medidas de cunho neoliberal clássico, supondo que elas seriam suficientes para debelar a crise. O que não ocorreu porque o neoliberalismo é, na verdade, um alimentador de crises.  

Os neoliberais de hoje querem repetir o que não deu certo em quase dez anos de governo neoliberal de FHC e nos últimos anos de governo petista. Pior, eles pretendem retornar à situação, de algumas centenas de anos atrás, em que o Brasil era apenas fornecedor de bens primários agrícolas e minerais. A propaganda (aliás, de apresentação primorosa) do “Agro como a verdadeira Indústria” não é senão a cartilha enganosa do que está programado pelo neoliberalismo caboclo.

Isto é, a privatização (venda) das poucas estatais que o Brasil possui, a manutenção da reduzida economia industrial, ainda por cima oligopolizada por empresas estrangeiras, e a regressão do país à condição de produtor agrário e de minérios. Esse é o programa que os neoliberais se empenham em aplicar para supostamente tirar o Brasil da enrascada em que eles próprios o colocaram durante o período neoliberal de FHC.

Choque de produtividade sem uma política clara de investimentos no desenvolvimento industrial não passa de discurso vazio. Abertura comercial sem empresas nacionais, estatais e privadas, preparadas para incorporar novas e altas tecnologias como base da concorrência internacional da atualidade, é desnacionalização e desindustrialização na certa. Redução da dívida pública sem ser através do crescimento seguro da produção e geração interna de riquezas é o mesmo que matar parte considerável de sua população em aras de um deus imaginário. Captação de recursos através de privatizações e reformas que empobrecem ainda mais os pobres e enriquecem apenas o 1% privilegiado é o mesmo que acender fogueira de São João sem extrair os gases, como fez o prefeito de Osasco numa festa junina.

Dizendo de outro modo, em termos de resultados efetivos, não há muita diferença entre o estilo presidencial caótico e os resultados previsíveis dos choques neoliberais que o Posto Ipiranga pretende implementar. Tomando como exemplo os resultados dos choques neoliberais anteriores, inclusive o aplicado pelo governo petista após 2014, os economistas dessa corrente parecem querer precaver-se quanto à responsabilidade pelos resultados das políticas implementadas por seu representante no governo Bolsonaro.

Realmente, é mais fácil responsabilizar o estilo caótico do “capitão”, insuperável, pelas consequências nefastas do projetado choque neoliberal de eficiência e produtividade. O problema consiste em que quem está sofrendo e vai sofrer ainda mais com isso são as grandes camadas sociais desempregadas e com rendas ínfimas, assim como os setores intermediários que estão acreditando na falácia do “empreendedorismo” como forma de superar o desemprego.

Por outro lado, para enfrentar essa situação, como vimos na experiência governamental petista, não basta reiterar a necessidade de implantar um grande projeto que permita ao país crescer economicamente e, ao mesmo tempo, promover a elevação do padrão de vida das camadas que vivem na situação de pobreza e miséria. É necessário fazer com que o país se torne realmente um crescente produtor de riqueza e que tal riqueza, através de um sistema tributário também socialmente distributivo, seja repartida de forma mais equitativa.

Nesse sentido, também não é suficiente supor que tal problema possa ser resolvido através do aumento da escala produtiva das empresas industriais brasileiras e de sua vontade de concorrer no mercado mundial. É fundamental introduzir no âmbito do sistema produtivo nacional um número razoável de empresas industriais de propriedade social (cooperativas e estatais), que concorram com as empresas privadas e, também entre si, rompendo com o atual sistema oligopólico que caracteriza a indústria aqui sediada.

Além disso, para levantar e captar investimentos destinados à construção de um sistema industrial que realmente tenha capacidade de concorrer no mercado mundial é necessário estabelecer políticas claras para que os investimentos externos tragam incorporadas novas e altas tecnologias e, paralelamente, que as empresas nacionais e o Estado realizem investimentos consistentes para a absorção e desenvolvimento dessas tecnologias. Sem isso, o desenvolvimento produtivo nacional e a participação na concorrência mundial não passarão de desejos infantis.

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