URUGUAI: 50 anos do golpe

O golpe de Estado de 27 de junho de 1973 foi precedido por muitos anos de crise.
Já durante a década de 1960, houve um processo de deterioração social e econômica, com notável aumento dos conflitos, que incluíam a luta armada realizada por grupos de esquerda. Durante a presidência de Jorge Pacheco Areco (1967-1972), os conflitos se tornaram ainda mais agudos. Nesta época foi criada a Frente Ampla (1971), como expressão unificada de partidos e setores de centro-esquerda e esquerda; também surgem grupos armados de extrema direita.
Nos anos anteriores ao golpe de estado, a tortura nas unidades policiais e militares tornou-se sistemática. Essa prática, aliada ao encarceramento prolongado, tornou-se um método de repressão e controle social. Desde 1970, o Parlamento realizava relatórios e investigações sobre denúncias de tortura de trabalhadores rurais, sindicalistas e ativistas políticos por policiais e militares.
Em 9 de setembro de 1970, o presidente Jorge Pacheco Areco encarregou as Forças Armadas de liderar a luta contra os guerrilheiros do Movimento de Libertação Nacional -Tupamaros. Um novo governo tomou posse em 1º de março de 1972, presidido por Juan María Bordaberry, do Partido Colorado.
Em abril de 1972, o parlamento uruguaio votou por mais de dois terços de seus membros que o país estava em “estado de guerra”. Ainda em 1972, as Forças Combinadas (órgão que incluía as Forças Armadas e a polícia) detiveram os líderes Tupamaros Raúl Sendic, Eleuterio Fernández Huidobro, José Mujica, Adolfo Wasem Alaniz, Julio Marenales, Henry Engler, Jorge Manera e Jorge Zabalza, que permaneceram na prisão até o fim da ditadura, em 1985.
Finalmente em 27 de junho de 1973, o então presidente Juan María Bordaberry, com o apoio das Forças Armadas, dissolveu as Câmaras de Senadores e Representantes e criou um Conselho de Estado com funções legislativas, de controle administrativo e encarregado de “projetar uma reforma constitucional que reafirme os princípios republicano-democráticos». Também restringiu a liberdade de pensamento e capacitou as Forças Armadas e Policiais para garantir a prestação ininterrupta de serviços públicos; consumando assim o golpe de Estado.
Em resposta, na mesma manhã em que ocorreu o golpe, a Convenção Nacional dos Trabalhadores (CNT) e a Universidade da República iniciaram uma greve geral de resistência ao levante, a mais longa da história do país, que durou quinze dias. Durante a greve, os militares prenderam vários opositores, incluindo Líber Seregni.
Bordaberry expressou rapidamente seu apoio à ditadura de Pinochet. Em 1975, o governo golpista criou a Condecoração General José Artigas “Protetor dos Povos Livres”, que foi concedida aos chefes militares das ditaduras do Chile, Paraguai, Argentina, Bolívia e Brasil.
A ditadura uruguaia teve uma estreita colaboração com a ditadura argentina para a coordenação de atividades repressivas.
Durante a ditadura Uruguaia, estima-se que mais de 5.000 pessoas foram detidas por motivos políticos. A tortura durou até o fim da ditadura uruguaia em 1985. Naquela época, o Uruguai tinha o maior número per capita de presos políticos do mundo; algumas pessoas sofreram penas de prisão mais longas, enquanto outras foram presas apenas por curtos períodos. Os líderes do Movimento de LibertaçãoNacional – Tupamaros – MLN foram isolados em prisões e submetidos a repetidos atos de tortura.
Estima-se que cerca de 200 uruguaios foram mortos durante os 12 anos de regime militar de 1973 a 1985. Muitos dos detidos nunca foram encontrados, pelo que lhes é atribuído o termo de detidos-desaparecidos.
A ditadura uruguaia ocorreu durante as crises do petróleo (crise de 1973 e crise de 1979); caracterizou-se pela abertura ao comércio exterior, com aumento das importações; pela perda do poder de compra da classe trabalhadora, através da suspensão indefinida do Conselho de Salários e do incremento da inflação; uma acentuada financeirização da economia; e um aumento da dívida externa, que chegou a 90% do PIB em 1985, caracterizando-se por uma política econômica similar a outros governos oriundos de golpes na América Latina no mesmo período, o que agravou o descontentamento popular.
Fruto desse descontentamento, em 1983, a PIT convocou uma greve massiva para o Dia do Trabalhador. Nessa greve foi lido um manifesto (conhecido como “Manifesto de 1º de maio de 1983”), onde a PIT fazia uma caracterização geral da situação dos trabalhadores durante os anos de 1960 e desde o início da ditadura; a situação da indústria, da educação e das liberdades democráticas. Em particular, o Manifesto criticava a situação dos trabalhadores, que viam seus salários reduzidos pela ausência de negociação coletiva e pelo processo inflacionário em curso. Em termos de educação, o Manifesto apontava assinalar as dificuldades por que passava o setor, que enfrentava uma elevada taxa de evasão e tinha visto o investimento orçamental reduzido, de quase 27% do orçamento nacional em 1967 para 18% em 1981. O Manifesto exigia a restituição das liberdades políticas; a recuperação do poder de compra dos trabalhadores; a reativação do setor produtivo; e anistia para presos políticos.
O processo de redemocratização
Uma nova constituição, elaborada pelos militares, foi rejeitada em referendo em novembro de 1980; após o referendo, as forças armadas anunciaram um plano de retorno ao regime civil e eleições nacionais. Em 1984, ocorreu o Pacto do Clube Naval, firmado em agosto daquele ano entre Gregorio Álvarez, a Frente Ampla, o Partido Colorado e a União Cívica. Os representantes do Partido Nacional retiraram-se das negociações por não compartilharem da proposta militar de realização das eleições com partidos e pessoas proscritas (entre eles, seu então líder, Wilson Ferreira Aldunate).
Enquanto isso, o descontentamento popular era galopante; os salários pulverizados por uma política salarial impopular acabaram esgotando a paciência do povo, que se expressava com panelaços e manifestações de rua.
Todos os partidos políticos se apresentaram com um Plano de Governo pactuado, a Convergência Programática Nacional, que permitiu ao novo governo uma transição estável mesmo durante a grave crise econômica conhecida como “la tablita”.
Após as eleições realizadas em 25 de novembro do mesmo ano, o Partido Colorado saiu vencedor. Em 12 de fevereiro de 1985, Álvarez renunciou ao cargo, deixando o comando nas mãos do presidente interino do Supremo Tribunal de Justiça, Rafael Addiego Bruno, que assumiu o cargo de Presidente da República de acordo com os regulamentos da época e, finalmente, em 1º de março de 1985, o governo voltou aos líderes legalmente eleitos pela população, com a posse de Julio María Sanguinetti, do Partido Colorado, como presidente. Quem colocou a faixa presidencial em Sanguinetti foi seu vice-presidente, Enrique Tarigo.
Desde então o Uruguai manteve uma alternância entre partidos de direita, Nacional e Colorado e entre as forças progressistas e de esquerda agrupadas em torno da Frente Amplia, elegendo os presidentes: Luis Alberto Lacalle Herrera, Partido Nacional (1990-1995); Julio María Sanguinetti, Partico Colorado (1995-2000); Jorge Luis Batlle Ibáñez, Partido Colorado (2000-2005); Tabaré Vázquez, Frente Amplio (2005-2010); José Mujica, Frente Amplio (2010-2015); Tabaré Vázquez, Frente Amplio (2015-2020); Luis Alberto Lacalle Pou, Partido Nacional (2020 até o momento)
50 anos depois do golpe de Estado, a identificação exaustiva e sistemática dos locais onde se materializou a repressão, a verdade sobre os crimes contra a humanidade e a necessidade de avançar no julgamento dos responsáveis continuam pendentes.

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