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Bolsonarismo: volta o espectro fascista?

Gustavo Codas no portal da Fundação Perseu Abramo

Uma das discussões pendentes em relação à conjuntura brasileira é a caracterização política do bolsonarismo. Seria uma corrente política fascista (como os partidos do Mussolini e Hitler), neofascista (como tem surgido na Europa nos últimos anos) ou qual seria sua natureza?

Entre historiadores há pelo menos duas características que distanciariam o bolsonarismo do fascismo dos anos 1920-1930: a adoção do liberalismo econômico, já que aquelas experiências foram de capitalismo corporativista-estatista, e a falta de organização de seus aderentes em estruturas paramilitares violentas. O debate está longe de se finalizar, inclusive porque o bolsonarismo ainda está em processo de formação, de corrente política marginal com vínculos com as milícias cariocas para constituir um bloco governante em nível nacional.

A questão despertou o interesse de editoras em publicar textos de época que trazem os debates das décadas 1920-1930 do fascismo clássico. Recentemente foram publicados textos do russo de origem ucraniano Leon Trotsky (1879-1940), escritos em 1930-1934 em um volume com o título Como Esmagar o Fascismo, e três documentos redigidos pela alemã Clara Zetkin (1857-1933) em 1923, no livro Como Nasce e Morre o Fascismo. E em As Origens do Fascismo foram reunidos artigos redigidos ao longo da década de 1920 pelo marxista peruano José Carlos Mariategui (1894-1930).

Nesses textos escritos ao calor dos acontecimentos são analisados temas-chave como a composição social do fascismo, sua penetração em camadas populares e nas classes médias, sua organização paramilitar, seu ideário nacionalista autoritário, sua estratégia de combate às organizações e às ideologias operárias de esquerda, e seus compromissos com o grande capital. E estão, sobretudo, os dilemas das esquerdas sobre como enfrentar esse desafio.

O debate sobre fascismo na América Latina ressurgiu na América Latina anos 1960-1970 quando o mapa regional foi tomado por ditaduras militares de direita. Eram fascistas? Por que tinham se generalizado esses regimes ditatoriais?

Nesse contexto o sociólogo brasileiro Theotônio dos Santos (1936-2018) publicou em 1977 no México o livro Socialismo ou Fascismo: o novo caráter da dependência e o dilema latino-americano, que somente foi traduzido para o português e publicado no Brasil em 2018, mais de quarenta anos depois da sua edição original, poucas semanas antes do falecimento do autor. Antes, em 1971, Florestan Fernandes escreve “Notas sobre o fascismo na América Latina”, publicado recentemente no volume Poder e Contrapoder na América Latina.

Em um debate no Sindicato de Jornalistas de São Paulo em 1984, no lançamento do documentário Em Nome da Segurança Nacional do diretor Renato Tapajós, o jornalista Alipio Freire afirmou que “no Brasil, os liberais são fascistas de férias”. Tentava explicar por que tão facilmente esses setores que normalmente se apresentavam como democratas aderiam, como fizeram em 1964, a soluções autoritárias para impor sua agenda econômico-social de exclusão das maiorias. Aqueles eram tempos de luta pelo fim da ditadura e ensejo de transição democrática.

É necessário voltar aos debates sobre o fascismo clássico e os regimes autoritários que assolaram nossos países. Vejamos se neles há chaves explicativas que ajudem a derrotar o bolsonarismo. Será que, nos termos de Alípio, em 2018 os liberais brasileiros “voltaram das férias”?

Serviço

Fernandes, Florestan.  Poder e Contrapoder na América Latina. São Paulo: Expressão Popular, 2015.  Com apresentação de Adelar João Pizetta.

Mariategui, José Carlos. As Origens do Fascismo. São Paulo: Alameda, 2010. Organização, tradução, prefácio e notas de Luiz Bernardo Pericás.

Mussolini, Benito. A Doutrina do Fascismo & Leon Trotsky.  O fascismo. O que é e como combatê-lo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. Com prefácio de Alberto da Costa e Silva.

Santos, Theotonio dos. Socialismo ou Fascismo: o novo caráter da dependência e o dilema latino-americano. Florianópolis: Insular, 2018. Com apresentação de Nildo Ouriques.

Trotsky, Leon. Como Esmagar o Fascismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2019. Tradução de Aldo Sauda e Mario Pedrosa. Com introdução de Henrique Carneiro e artigos de contextualização do debate de Chris Harman.

Zetkin, Clara. Como Nasce e Morre o Fascismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2019. Com prefácio de Maria Lygia Quartim de Moraes, apresentação de Demian Melo, introdução de Mike Taber e John Riddell.

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